Se vem com a pressa de Lisboa ou com a genica do Norte e costuma “descer” uma semana em agosto, leva o postal completo: praia, sardinha, pôr do sol aplaudido. Está ótimo! Mas descobrir o Algarve a sério faz-se devagar. É chegar, pousar as malas e encher o peito de ar salgado. E, se ouvir alguém dizer que “Tá o mar fêto num cão”, não se assuste, significa que o mar está revolto. Quando vem sem correria, descobrir o Algarve deixa de ser checklists e passa a ser encontros. Com o mar, com as serras, com quem aqui vive. “De manêras que” o melhor é abrandar e deixar a terra falar.
Barlavento: onde a falésia conta a história do vento
Entre Lagos e Sagres, o Atlântico manda. Para descobrir o Algarve aqui, troque o carro por passos ligeiros. Vá cedo à Ponta da Piedade, percorra as arribas, sinta a maresia a picar a pele. Em Sagres, o Cabo é mais do que um miradouro, é uma aula de humildade. Se o vento apertar, não reclame. É ele que lhe endireita as ideias.
E, se alguém comentar “que jête” ao ver um atalho perigoso, entenda como aviso: não tem grande jeito seguir por ali. Pelo caminho, dê um salto a Aljezur para provar batata-doce assada com peixe grelhado. E, se lhe apetecer uma memória para guardar, experimente surf ao amanhecer. Se o apetite apertar, como se diz por cá, a “ãibra” passa com uma cataplana bem servida.

Sotavento: a vida leve da Ria Formosa
Da Ilha de Faro a Cacela Velha, a Ria é casulo. Para descobrir o Algarve deste lado, apanhe o barco para as ilhas, converse com quem apanha amêijoa, observe os flamingos ao longe. Em Olhão, espreite os mercados ao sábado, cheire o tomate, o figo, a hortelã e peça uma “mã cheia” de conquilhas ao peixeiro. Em Tavira, deixe-se ir pelas pontes e pelos pátios. Em Cacela, sente-se a olhar o espelho de água e entenda o que é silêncio bom. Se ouvir um “Atão… vai ficar para ver o pôr do sol?”, leve como convite.

Serras que guardam a alma: Monchique e Caldeirão
Quando o calor aperta na costa, é subir. Monchique cheira a mato e a fumeiro. Peça presunto, pão caseiro, mel e medronho, com juízo. Vá à Foia, estique os olhos pelo barlavento e entenda a geografia. No Caldeirão, aldeias pequenas e mãos calejadas lembram que a região não é só praia. Quem quer descobrir o Algarve inteiro tem de ouvir o ranger do soalho nas casas antigas, sentir a água fria nas ribeiras, provar chouriço assado numa tarde que pede lareira.

Mar que alimenta: comer com sentido de lugar
Cataplana não é comida rápida, é ritual. Abre-se o tacho e sai vapor com memória. Amêijoas com coentros, xerém com berbigão, choquinhos à algarvia, carapaus alimados, percebes quando a nortada deixa. Para adoçar, Dom Rodrigo que estala, morgado que se derrete, figos cheios de sol. Se quer mesmo descobrir o Algarve, pergunte de onde vem o peixe, quem fez o doce, por que se usa coentros e não salsa. É escutar o prato, como quem escuta o mar.

Vinhas ao sul: prova com mente aberta
Sabemos que o vinho do Norte e do Alentejo tem palco, mas dê oportunidade ao Algarve. Aqui também há vinhas ao pé do mar e no barrocal, enoturismo com visitas à adega, prova comentada e, na vindima, até pisa a pé. Em Lagoa e Silves encontra brancos frescos para peixe e cataplana, tintos mais redondos para porco preto e queijos curados, e rosés que funcionam com o fim de tarde. Vale marcar visita, conhecer castas daqui como Negra Mole, provar colheitas limitadas e perceber como o sal, o vento e o sol entram no copo.
Traga curiosidade e saia com duas ou três garrafas escolhidas por si, não pelo rótulo. O Norte continua excelente, claro, mas aqui também se brinda bem.

Marafado, mas contente: o Algarve que traz no regresso
Leva o que se pega nas mãos e o que não larga da cabeça. Na mala, uma garrafa de medronho de Monchique, flor de sal de Castro Marim, um cesto de empreita de palma de Loulé, uma peça de olaria de Porches, talvez uma tampa de cortiça de São Brás, um frasco de mel e uma conserva de Olhão.
Na cabeça, imagens que voltam mal fecha os olhos: falésias cor de cobre, luz nas salinas, batentes nas portas de Tavira, vento de Sagres a puxar pelo casaco, flamingos alinhados na Ria Formosa, cheiro a figo seco e a laranja no barrocal, cataplana a chegar à mesa, tampa a abrir e o vapor a fugir. É isto, descobrir o Algarve por dentro. E se lhe disserem “há-des cá”voltar em tom bem-humorado, aceite: fica feito o convite para regressar.